sexta-feira, março 04, 2022

Aceno – Revista de Antropologia do Centro-Oeste - "Diversidade Sexual e de Gênero e Poder: interfaces, práticas e tensões contemporâneas" - Até 31/03/2022

Nome da Revista: Aceno – Revista de Antropologia do Centro-Oeste

Classificação: B3

Dossiê Temático: Patrimônio, Diversidade Sexual e de Gênero e Poder: interfaces, práticas e tensões contemporâneas

Prazo: 31/03/2022

Titulação: Não informada.

Link para a chamada: Clique aqui

É notório o renovado interesse pelos estudos sobre os patrimônios culturais nos últimos anos. A emergência do chamado Patrimônio imaterial somada a novos olhares sobre monumentos, objetos, museus, o espaço urbano, assim como as reconfigurações de disputas por memórias, passados e culturas impulsionaram toda uma gama de pesquisas e políticas públicas de cultura que vem impactando de modo decisivo as formas de olhar e agir sobre este campo. Também é notória a consolidação, no Brasil, do campo dos estudos de gênero, assim como daquele sobre a diversidade sexual, ao longo das últimas quatro décadas com temas diversos e abordagens múltiplas. Mas, o que dizer sobre a relação entre os patrimônios culturais, as perspectivas de gênero, as experiências da diversidade sexual e as relações de poder? Falamos de um território ainda pouco mapeado por ambas as áreas de pesquisas, noutros termos, as interfaces entre os patrimônios culturais e as questões relativas às expressões de gênero, experiências da diversidade sexual e relações de poder. Essas interfaces apresentam, por um lado, os múltiplos mecanismos, dispositivos, tecnologias, instrumentos, estratégias e símbolos das práticas de poder da governamentalidade estatal que agem para manter as coesões morais nas bases das ordens sociais vigentes. Por outro lado, essas interfaces apresentam também os múltiplos saberes, discursos e práticas de resistência aos efeitos daquelas práticas de poder.

Nossas indagações surgiram a partir de trabalhos anteriores em que buscamos refletir sobre as relações entre arte e culturas populares, gênero e diversidade sexual e por meio dos quais percebemos uma série de questões que cruzavam também o campo dos patrimônios culturais. A partir daí, identificamos alguns estudos recentes para além de ações como o “Seminário Patrimônio e Gênero”, realizado em Pernambuco por um conjunto de instituições como SecMulher-PE, Secult-PE, Fundarpe, Iphan-PE e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA/UFPE), e que chega a sua sexta edição em 2021. Mencione-se também a Rede de Arquivos de Mulheres (RAM), coletivo de pesquisadores/as e instituições formado recentemente com objetivo de pesquisar e difundir os acervos de mulheres presentes e, não raramente invisibilizadas, nas instituições. Estas experiências nos confirmam a importância sobre o debate acerca das interfaces dos patrimônios culturais e das questões de gênero, diversidade sexual e poder.

Os discursos sobre patrimônios culturais podem ser pensados enquanto formas de ação no mundo. Entre a perspectiva mais formal e regulada por agências dedicas ao assunto, até a dimensão mais íntima do sujeito que percebe e o aciona para reivindicar passados, memórias e culturas existe um emaranhado de significados, tensões e formas de se pensar, definir e identificar patrimônios. A sua forma frequente de se materializar na vida social é por meio de situações ritualizadas. Os rituais são aqueles espaços-tempo em que são formuladas e reformuladas culturalmente, negociadas e renegociadas socialmente, editadas e reeditadas simbolicamente e tensionadas politicamente as múltiplas formas de pertencimento e as mais variadas demonstrações identitárias, entrecruzando os eixos da identidade (indivíduo versus coletividade) e da alteridade (mesmo versus outros). A maneira como determinados saberes, celebrações, monumentos, objetos, ritos cívicos, entre outros são performados, acionando a categoria patrimônio cultural, portanto, não são apenas um mecanismo de reprodução da vida social por meio da  repetição, mas sobretudo um conjunto de dispositivos acionados  para produzir reflexões críticas acerca dos arbitrários culturais sobre os quais se  assenta a ordem social e as coesões morais que a sustentam e, assim, silenciar e/ou denunciar, os efeitos de poder instituídos nos discursos e práticas sociais.

Num aparente paradoxo, se pensamos no âmbito do patrimônio imaterial, em suas íntimas relações com as  culturas populares por exemplo, a liminaridade dos rituais parece contribuir para a naturalização do status quo hegemônico, no que diz respeito às expressões de gênero e às experiências da diversidade sexual, representado por um regime de verdade médico-científico e jurídico-moral (e religioso) instaurador do binarismo de gênero, do dimorfismo sexual e da heterossexualidade compulsória, ao mesmo tempo em que subvenciona potentes críticas a essa naturalização, ao promover, ainda que momentaneamente, a subversão, a transversão, a reversão ou a inversão da ordem ou, pelo menos, a ponderação sobre a sua versão oficial e a possibilidade de sua desestabilização. Além disso, podemos notar também que o impacto das discussões sobre identidade, gênero e sexualidade resultaram na pressão crescente para o reconhecimento e a abertura de novos espaços, dentro de tais manifestações antes ocupadas majoritariamente a partir de uma lógica predominantemente heteronormativa. Tais reivindicações possibilitaram a emergência de novos agentes e narrativas, bem como tornando visíveis aquelas até então silenciadas. Assim, à potência das ambiguidades do espaço da liminaridade ritual, somou-se também o da reivindicação e luta política.

No campo dos patrimônios culturais tais questões reverberam em diversos âmbitos. Entre mestres/as, brincantes e detentores/as de um determinado bem cultural; o corpo técnico das instituições; as formas de uso e ocupação de monumentos e espaços patrimonializados; as presenças e ausências em coleções de objetos e conjuntos documentais; etc. Deste modo, este dossiê pretende reunir estudos que se investiguem esse tema num sentido amplo e com objetivo de fomentar e potencializar a gama de estudos em que ainda há muito a se explorar, sobretudo no contexto brasileiro.

Mobilizam o dossiê as questões a seguir: Qual é o panorama atual dos estudos sobre gênero e/ou experiências da diversidade sexual nos contextos de produção cultural, situações ritualizadas, festividades ou processos de patrimonialização? Que expressões, conflitos, tensões, silenciamentos e resistências perpassam esses campos em suas interações? Como estas questões impactam a reflexão sobre coleções, museus, fundos arquivísticos no mundo atual? O que este olhar pode nos oferecer como possibilidades de visualizar a produção de sujeitos e instituições no mundo contemporâneo?