Nome da Revista: Antropolítica
Classificação: A2
Dossiê Temático: "Entre a Tradição e a Inovação”: tensões e negociações entre as categorias Religião, Secular e Patrimônio em contextos lusófonos
Prazo: 12/02/2022
Titulação: autoria de, ao menos, um doutor
Link para a chamada: clique aqui
Texto da chamada
Chamada para Dossiê “Entre a Tradição e a Inovação”: tensões e negociações entre as categorias Religião, Secular e Patrimônio em contextos lusófonos
A organização do dossiê é inspirada nos estudos cujas práticas religiosas e seculares não sejam analisadas isoladamente ou tratadas como termos descritivos neutros, mas como parte do próprio objeto de investigação (BALKENHOL; HEMEL; STENGS, 2020) ou, ainda, como uma ferramenta analítica que se conecta a outras categorias relevantes, como Patrimônio, Modernidade e Nação (SALEMINK, 2021). Pretendemos reunir etnografias que procuram dar foco às novas maneiras pelas quais a “sacralidade e a secularidade se informam, reforçam e transbordam uma para a outra” (BALKENHOL; HEMEL; STENGS, 2020, p. 1), em especial nos processos de “patrimonialização do sagrado” e “sacralização do patrimônio” (SALEMINK, 2021).
Recentemente, deixou de ser uma contradição imaginar que lugares, objetos e práticas de natureza religiosa possam ser apropriados por outros grupos, além dos religiosos. Do mesmo modo, os grupos religiosos podem reivindicar e contestar os lugares, práticas e objetos designados como patrimônio cultural e natural. Há um contínuo cruzamento, confluência e justaposição de olhares seculares e religiosos entre distintos agentes (turistas, autoridades governamentais, associações civis, movimentos sociais, grupos religiosos, representantes de instituições públicas e privadas, entre outros) que adquirem visibilidade e publicidade no espaço público, o qual se tornou um lugar de confrontos, tensões, contestações e negociações.
Tomamos como ponto de partida o conceito de “sagrado secular”, que denota os processos entrelaçados de secularização e sacralização, nos quais ideias, sentimentos, emoções, motivações, experiências, percepções sobre pessoas, objetos, imagens, representações ou lugares se entrelaçam, se fundem e conflitam (BALKENHOL; HEMEL; STENGS, 2020, p. 5). Tal noção foi baseada no insight, desenvolvido por Talal Asad (2003) e Saba Mahmood (2009), de que o regime secular não se oporia à religião. A base dessa abordagem advém do entendimento da categoria religião como um longo processo de construção social que imbrica história e poder, o que possibilita distinguir múltiplos agentes sociais que competem entre si na construção de suas fontes de autoridade, reivindicando a “herança” pelos discursos e práticas. Nessa direção, o foco que pretendemos não estaria na separação entre as categorias religião e secular, mas como elas participam dos processos de sacralização e dessacralização dos empreendimentos patrimoniais.
O interesse pelo reconhecimento e promoção de locais qualificados como patrimônio (natural e cultural) cresceu a partir da década de 1970, estimulado por políticas que visavam identificar e proteger lugares, monumentos e edifícios pelo seu “valor universal”, como a Convenção da UNESCO de 1972 sobre a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural. Desde então, a definição que, inicialmente, se referia à herança cultural material, sobretudo de monumentos e de objetos, ou de espaços naturais, considerados resguardados da intervenção humana, passou, nas últimas décadas, a abranger também práticas e tradições, como música, dança e artesanato, o que a UNESCO chamou de “patrimônio cultural intangível”. Concomitantemente, a ampliação envolveu produtos e práticas contemporâneas e de grupos marginalizados (MACDONALD, 2018).
Atualmente, o movimento de patrimonialização se insere na tendência mundial de atribuir valores históricos, culturais e identitários a locais, objetos e práticas performativas, incluindo lugares vivenciados ou considerados de natureza religiosa. A partir da década de 1990, verificou-se um boom nas demandas pelo rótulo de patrimônio por grupos que reivindicavam serem herdeiros do lugar, objeto e/ou práticas, definindo-os como essenciais para a sua própria existência. Para isso, evocavam discursivamente e materialmente ações que conectam o presente a narrativas sobre o passado e, ao mesmo tempo, buscam criar pontes com o futuro (SALEMINK, 2021).
O rótulo de patrimônio promove também o processo de comoditização cultural que, recentemente, tem atraído a atenção dos antropólogos instigados pela progressiva tensão proporcionada pelo turismo globalizado em distintos contextos. “Comoditização” tem sido um termo usado por antropólogos para descrever tanto as características sociais de circulação de mercadorias quanto os processos históricos de expansão das relações comerciais para áreas anteriormente não definidas em termos econômicos (APPADURAI, 2008). Uma consequência direta do processo é verificada pelo movimento de (re)invenção de espaços de culto, práticas devocionais e saberes corporificados expressos na vinculação de experiências religiosas aos locais, práticas e objetos patrimonializados, bem como os esforços crescentes de atores governamentais e organizações não governamentais para justificar a importância de lugares religiosos não pelo seu valor religioso, mas como herança cultural local, comunitária ou nacional. Cabe destacar que elementos como estes, com o tempo, passaram a ser incorporados como patrimônio cultural e são cada vez mais reivindicados por grupos particulares.
No contexto global atual, este processo se relaciona a outras situações etnográficas, como a transformação da economia local; a encenação da autenticidade; a reinterpretação e negociação de significados; a transformação/destruição da herança cultural e os processos de imigração e demandas de direitos, entre outros (HARRISON, 2012). Nosso interesse não é o de definir se as reivindicações a respeito das tradições (ASAD, 1986) - religiosas ou culturais - merecem ser consideradas originais, autênticas ou únicas, mas como a interseção do patrimônio cultural e/ou natural e das práticas religiosas são publicizadas em espaços públicos. A contínua publicização e a visibilidade dessas tensões, conflitos, contestações e negociações em torno desta interseção permitem que se focalize a análise para além da configuração identitária em termos espaciais, temporais ou étnicos/nacionais e favorecem a reflexão sobre as dinâmicas locais e transnacionais que expressam modos de negociação em torno de objetos, práticas e lugares patrimoniais quanto aos usos e sentidos atribuídos aos elementos devocionais/seculares mobilizados pelos sujeitos.
Diante disso, esta chamada convida à submissão de artigos de natureza etnográfica interessados nas conexões, confluências e justaposições entre as categorias religião, secular e sagrado. São bem-vindos estudos que proporcionem um espaço de reflexão sobre os processos pelos quais locais, objetos ou práticas se tornam patrimônio a partir do reconhecimento da dimensão religiosa como um elemento fundamental que mobiliza, por exemplo, exposições, performances e representações, bem como trabalhos que analisem como grupos religiosos contestam e ocupam os chamados patrimônios em países lusófonos.
Os artigos devem ter autoria de, ao menos, um doutor, e serão submetidos à avaliação às cegas de pareceristas externos, atendendo à política da revista. Para dar conta da diversidade de abordagens teóricas e metodológicas dos diferentes campos empíricos e problemáticas a serem debatidos, serão aceitos, preferencialmente, artigos das áreas de Antropologia e Ciências Sociais, observados os parâmetros de exogenia em relação à UFF.
Organizadores: Bruno Ferraz Bartel (UFPI) e Maria Clara Saraiva (FLUL-UL).
Prazo: 12/02/2022
OBS: indicar nos comentários aos editores que a submissão é para o Dossiê “Entre a Tradição e a Inovação”: tensões e negociações entre as categorias Religião, Secular e Patrimônio em contextos lusófonos.
As contribuições podem ser enviadas até 12 de fevereiro de 2022 pelo sistema eletrônico da revista: https://periodicos.uff.br/antropolitica/about/submissions#onlineSubmissions
As normas para submissão dos textos são as mesmas válidas para artigos e encontram-se disponíveis em: https://periodicos.uff.br/antropolitica/about/submissions#onlineSubmissions
Referências:
APPADURAI, Arjun. “Introdução: Mercadorias e a política de valor”. In: APPADURAI, Arjun. A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: EdUFF, 2008. p. 15-88.
ASAD, Talal. Formations of the Secular: Christianity, Islam, Modernity. Stanford, CA: Stanford University Press, 2003.
ASAD, Talal. Genealogies of Religion: Discipline and Reasons of Power in Christianity and Islam. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1993.
ASAD, Talal. The Idea of an Anthropology of Islam. Washington, D.C, Center for Contemporary Arab Studies: Georgetown University, 1986.
BALKENHOL, Markus; HEMEL, Ernst van den; STENGS, Irene. “Introduction: emotional entanglements of sacrality and secularity - engaging the paradox”. In: BALKENHOL, Markus; HEMEL, Ernst van den; STENGS, Irene (eds). The Secular Sacred - Emotions of belonging and the perils of nation and religion. Cham: Palgrave Macmillan, 2020. p. 1-18.
HARRISON, Rodney. Heritage: Critical Approaches. Abingdon: Routledge, 2012.
MACDONALD, Sharon. “Heritage”. In: CALLAN, H. (ed.). The International Encyclopedia of Anthropology. New Jersey: John Wiley & Sons, 2018.
MAHMOOD, Saba. "Religious Reason and Secular Affect: An Incommensurable Divide?". In: ASAD, T; Brown, W.; Butler, J.; Mahmood, S. (eds.). Is Critique Secular? Blasphemy, Injury, and Free Speech. Berkeley, CA: The Townsend Center for the Humanities, 2009. p. 58-94.
SALEMINK, Oscar. “Anthropologies of Cultural Heritage”. In: PEDERSEN, L.; CLIGGET, L. (eds.). SAGE Handbook of cultural anthropology. London: SAGE Publications, 2021. pp. 409-427.