Nome da Revista: Antropolítica
Classificação: A2
Dossiê Temático: "O pacto contracivilizador e o entre-lugar das elites brasileiras: as ambíguas relações com o passado, o presente e o porvir"
Prazo: 12/04/2021
Titulação: autoria de, ao menos, um doutor
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Texto da chamada
Chamada para Dossiê "O pacto contracivilizador e o entre-lugar das elites brasileiras: as ambíguas relações com o passado, o presente e o porvir"
As elites, especialmente as econômicas e políticas, continuam um campo de estudo relativamente escasso na antropologia, o que, de certo modo, se explica pela pouca afinidade eletiva que desperta entre o(a)s antropólogos(a)s. Deve-se ressaltar também que a categoria conceitual que se convencionou denominar de elite vem conhecendo novos sentidos e significados quanto ao seu uso e função, prestando-se a compreensões diversas quanto à sua aplicabilidade, especialmente no campo da antropologia. Deste modo, pesquisar as elites brasileiras, a partir “de dentro”, tornou-se não apenas um desafio como também uma necessidade. Isto porque grande parte dela foi conivente e responsável pelo suporte a regimes autoritários no Brasil, assim como pelo desmonte recente do estado de bem-estar-social no Brasil, empenhado em promover reformas institucionais baseadas na desregulamentação e flexibilização do trabalho, na supressão de direitos sociais da população em geral e privatização do estado, em proveito de interesses individuais e corporativos ligados à liberalização do capital financeiro nacional e internacional. Além disso, no contexto global, embora as elites financeiras tenham se expandido consideravelmente, continuam demograficamente grupos minoritários que mobilizam recursos diversos de poder e de privilégios a cada dia mais amplos. Inversamente ao seu perfil demográfico, esta minoria concentra grande parte da riqueza mundial, pondo por terra todos os atributos éticos sobre os quais se assentava alguns princípios do capitalismo moderno, ao ponto de se transformar em inimiga de sua própria espécie, bem como ameaça permanente para a vida do planeta, especialmente por instituir a “sociedade de risco” como regra para todos os outros seres viventes que não fazem parte do pequeno e restrito clube do qual participa esta minoria social. Sendo também as elites um tema secundário na investigação antropológica brasileira, isso contribuiu para que não conseguíssemos identificar os sinais antecipatórios que ocasionaram a recente ruptura da vida política brasileira pautada na ideia da democracia participativa, notadamente sob a égide de uma “cruzada antidemocrática”, contracivilizatória, anti-humanista. Tal movimento, cujos impactos para o fazer antropológico têm sido apontados (Machado; Motta e Fachini, 2018; Machado e Motta, 2019), com o apoio sobretudo de diferentes segmentos dessa elite nacional e transnacional que, de certo modo, endossou tacitamente a agenda política lesa-civilizatória proposta pelo atual governo, pondo em risco a permanência das instituições educacionais, científicas do país e tudo aquilo que até então reuníamos sob a vaga rubrica de “cultura” e “civilização”. O quadro da pandemia de Covid-19 apenas o explicitou de maneira ainda mais gritante.
Tais considerações, levam-nos a refletir sobre o caso brasileiro, que após um período de relativa democracia, de conquistas sociais e de direitos fundamentais, voltou-se contra si próprio numa luta suicida que faz aflorar espectros do neoconservadorismo, da opressão e da intolerância. Afinal, o que justifica a opção por uma agenda política contracivilizatória e o pacto velado de determinados segmentos da elite nacional? Paradoxalmente essa mesma elite que no passado serviu como artífice de um modelo civilizatório para o país. Tal processo não se reflete apenas no plano político e econômico, mas também no que diz respeito ao patrimônio ambiental e cultural – e aqui não nos referimos apenas a terras indígenas, quilombolas, e de segmentos camponeses enfeixados sob a denominação “populações tradicionais” – e a tudo o que poderia garantir o futuro do país e incluí-lo na vanguarda da chamada modernidade tardia, conforme assegurada pela Constituição Cidadã de 1988.
O que significa o silêncio das elites sobre a sequência de medidas e ataques que se abateram sobre as principais instituições culturais do país? Desde as universidades públicas, o desmonte de associações acadêmicas e culturais, a exemplo do IPHAN, ao mesmo tempo, no campo das artes em suas versões eruditas e populares, inclusive o incêndio no Museu Nacional, que não mobilizou a sensibilidade do mecenato brasileiro. Porém, contraditoriamente, essa mesma elite brasileira costuma celebrar a cultura e a civilidade europeias da qual se sentem e consideram parte integrante, ao mesmo tempo em que não se deixa afetar com a agenda contracivilizatória do atual governo que, inclusive, boa parte dela apoiou.
O ponto de inflexão proposto para este dossiê temático é uma discussão teórica e metodológica sobre o campo das elites na antropologia no Brasil, tendo como objetivo aprofundar algumas das questões aqui propostas e, sobretudo, dialogar com reflexões sobre determinados grupos de elite e o atual cenário político, social e cultural no Brasil. Nestes e outros casos, a etnografia, baseada em formas de interação social, em análise de documentos escritos e audiovisuais etc serve como um recurso teórico-metodológico eficaz e legítimo para entender como se desenvolvem tais dinâmicas e, provavelmente, para o que venham a ser as estratégias de aproximação dessas elites, para estudá-las a partir “de cima” e “de dentro”. Parece-nos especialmente instigante buscar nos diferentes grupos de elites (locais, regionais, nacionais e transnacionais) interlocutores receptivos, capazes de compartilhar e empreender uma autorreflexão sobre as particularidades internas desses grupos, como também suas estratégias de dominação e de reprodução das distorções e disparidades sociais e históricas que as mantêm no poder, apartadas dos interesses e dos demais grupos que compõem a sociedade nacional brasileira.
Os artigos devem ter autoria de, ao menos, um doutor, e serão submetidos à avaliação às cegas de pareceristas externos, atendendo à política da revista. Para dar conta da diversidade de abordagens teóricas e metodológicas dos diferentes campos empíricos e problemáticas a serem debatidos, serão aceitos, preferencialmente, artigos das áreas de Antropologia e Ciências Sociais, observados os parâmetros de exogenia em relação à UFF.
Organizadores: Laura Graziela Gomes (UFF), Antonio Motta (UFPE) e Antonio Carlos de Souza Lima
(MN/UFRJ).
Prazo: 12/04/2021.
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