sexta-feira, outubro 09, 2020

Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC) - "Políticas públicas, neoliberalismo e democracia" - Até 31/01/2021

Nome da Revista: Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC)

Classificação: B1

Dossiê Temático: Políticas públicas, neoliberalismo e democracia

Prazo: 31/01/2021

Titulação: Não informado

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A relação entre políticas públicas, neoliberalismo e democracia não é nova, ora entrando em tensão, ora se combinando de maneiras variadas. Verifica-se historicamente desde as primeiras décadas do século XX, nos anos 1980/90, reincidindo no início deste século de forma exponencial, agora associada a claros elementos autoritários. Em pleno processo de institucionalização de Estados de Bem-Estar Social e hegemonia do keynesianismo (Hirschman 1996), em vários países circulavam ideias de partidários do modelo de mercado e críticos do planejamento estatal centralizado (Dardot e Laval 2016; Andrade 2019b). A partir dos anos 1970, em cenário internacional, o neoliberalismo transbordou e se espraiou às diversas esferas sociais, forjando-as como sociedades ancoradas em seus princípios (Dardot e Laval 2016; Duménil e Levi 2014). Passou a predominar assim uma racionalidade política (hayekiana) que generaliza a concorrência como norma de conduta e a empresa como modelo de subjetivação (Dardot e Laval 2016: 17).

Indivíduos e governos são marcados pela expansão e generalização da “forma-empresa”, que toma corações e mentes em todos os níveis de sociabilidade, implicando o “capitalismo neoliberal” (Saad Filho e Johnston 2005). A racionalidade neoliberal se articula a novos processos produtivos advindos da quarta revolução industrial, uma vez que fundamentalmente pressionam à individualização e precarização das relações de trabalho e sociais, ao esvaziamento do Estado como garantidor de direitos civilizatórios básicos e à privatização das mais distintas esferas da vida em sociedade (Antunes 2018).

No Brasil, a primeira grande onda neoliberal dos anos 1990 tensionou a lógica da redemocratização, marcada pela inédita ampliação do arcabouço de direitos civis, políticos e sociais na esteira da Constituição de 1988. A partir dos anos 1990 ocorreram “confluências perversas” da lógica neoliberal com formas de participação democrática e com políticas sociais, dando origem a combinações variadas e resultados distintos de políticas e processos sociais (Dagnino 2002). Mais recentemente, o neoliberalismo se radicalizou e aprofundou suas reformas, engendrando novas estratégias e instrumentos (Andrade, 2019a). Sob Bolsonaro (precedido por Temer), mescla-se o legado ultraliberal (Macpherson 1979; Fonseca, 2005) herdado da experiência chilena com um pacote de valores conservadores, pré-iluministas e anticientíficos. Trata-se do hibridismo neoliberal (Ong 2006; Peck 2010; Gago 2018) à brasileira, que transcorre desde 2016. 

As políticas públicas foram as primeiras estruturas atingidas em sua dimensão constitucional. A desconstitucionalização tem sido a estratégia de desconfiguração do Estado de Bem-Estar brasileiro – no contexto da derrogação do caráter (neo)desenvolvimentista do modelo econômico/social – , sinalizado no documento “Uma Ponte para o Futuro”, do PMDB, publicado em 2015, que apontou para a agenda desestruturante do pacto de 1988: reforma trabalhista ampla e profunda, teto dos gastos sociais, reforma previdenciária (Fagnani 2017; Rossi, Dweck e Oliveira 2018; Leite e Fonseca 2018), terceirização irrestrita, privatização, desnacionalização e desindustrialização, entre inúmeras outras propostas e ações em desenvolvimento. 


Tanto as políticas públicas como os avanços democráticos na gestão pública vêm, desde então, sofrendo grande retrocesso nos fóruns de participação e nas mais distintas áreas sociais e econômicas, com efeitos drásticos dos cortes nos gastos públicos. Trata-se de metamorfose profunda de estruturas civilizatórias construídas secularmente num país em que se naturalizou todo tipo de desigualdades, privilégios e violências (Schwarcz 2019). Na gestão pública, igualmente métricas e parâmetros privados, assim como políticas públicas ostensivamente terceirizadas e contratualizadas com o setor privado, sistematicamente tem retirado a essência pública do Estado, cada vez mais moldado à lógica do “governo empresarial” (Dardot e Laval 2016). Todos esses processos corroem estruturalmente o Estado de Direito Democrático e o Estado de Bem-Estar Social, notadamente as políticas públicas. 

Este fórum pretende provocar reflexão no campo da administração pública, das políticas públicas e das perspectivas democráticas sobre essa problemática contemporânea, que se configura como conjuntura crítica e que se encontra em plena vigência. ISSN: 2236-5710 fgv.br/cgpc fgv.br/cgpc 

A pandemia da Covid-19 vem desvelando desigualdades e aprofundando a necropolítica (Mbembe 2018), que se impõe aos historicamente destituídos de direitos. Contudo, os limites do “capitalismo neoliberal” também se sobressaem com a pandemia, com efeitos distintos e mesmo contraditórios nas políticas públicas, no neoliberalismo e na democracia. Portanto, são bem-vindos trabalhos que discutam, com abordagens distintas, configurações dessa tríade conceitual, tais como:

• Impactos do modo de produção capitalista contemporâneo nas políticas públicas e na gestão pública;
• Precarização das relações de trabalho e sua relação com as políticas públicas; 
• As novas estratégias da racionalidade neoliberal; 
• Configurações híbridas do Estado e das políticas sociais no Brasil;
• Esvaziamento e desmonte da democracia perante o avanço neoliberal; 
• Processos de desconstrução de arranjos institucionais e relacionais de políticas sociais, em diferentes níveis de governo; 
• Gestão pública e neoliberalismo no século XXI (Brasil e/ou perspectiva comparada);
• Papel da mídia e think tanks na legitimação da versão híbrida de neoliberalismo no Brasil e na América Latina; 
• “A Teologia da Prosperidade” e a racionalidade neoliberal; 
• Experiências internacionais, nacionais e locais de resistência aos efeitos do neoliberalismo (gentrificação, uberização, precarização etc.); 
• Autoritarismos e vetos à democracia participativa no Estado e na implementação de políticas públicas; 
• Movimentos sociais, ativismo institucional e resistências sociais; 
• Processos de resistência ao neoliberalismo em instituições governamentais; 
• A crise da pandemia e seus impactos às políticas públicas; 
• Neoliberalismo e necropolítica.